
Em meio à onda movimentalista que vivenciamos a partir dos anos 1980, o Movimento Infância incidiu fortemente pela garantia legal dos direitos da criança e do adolescente. Foram sucessivas mobilizações. A começar pela Campanha Criança e Constituinte, em 1986. Conseguimos mais de um milhão e duzentas mil assinaturas para a inclusão no texto constitucional. Também, nos fizemos presentes na Assembleia Nacional Constituinte 1987-8, através de Emendas Populares e falas de convidados, como D. Luciano de Almeida e Pe. Bruno Sechi (Belém-PA), que partilhou seu tempo com três adolescentes em situação de rua – fato inédito e com grande repercussão.
A Constituição de 1988 trouxe inúmeras inovações sobre direitos de crianças e adolescentes, refletiu a ruptura com a Doutrina da Situação Irregular e adotou a Doutrina da Proteção Integral, reconhecendo-os como sujeitos de direitos, com prioridade absoluta em políticas e orçamentos públicos, em condição especial de pessoas em desenvolvimento.
Precisávamos ir adiante para revogar o famigerado Código de Menores (1979). Assim, efetivamos encontros – locais, regionais e nacionais, para construir, coletivamente e fora do Congresso Nacional, o teor do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), que reitera as inovações da CF 88, como Conselhos de Direitos (paritários e deliberativos) e os Tutelares (pelo menos um em cada Município) e prevê reordenamento institucional, com diretrizes para o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes.
O Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança da Universidade Federal do Ceará (NUCEPEC) esteve presente em todos esses processos, e mais, contribuímos, junto com outras entidades, na elaboração da Constituição Estadual e da Lei Orgânica de Fortaleza; na criação e implantação do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes (COMDICA) e Conselho Estadual de Defesa das Crianças e Adolescente (CEDCA), integrando sua primeira Diretoria; e para popularização do ECA – 10 folders sobre seu conteúdo, e manutenção, por mais de 20 anos, de Curso de Extensão.
CF 88 e ECA têm sido fundamentais para reivindicarmos vida digna para aqueles sujeitos de direitos. No mês dos 35 Anos do ECA bem sabemos que passos firmes já foram dados e com outros igualmente firmes precisamos seguir. Há ainda muita omissão e inação do Poder Público em sua responsabilidade legal com crianças e adolescentes. Isso se torna gritante ao constatarmos que desigualdades econômicas, políticas e culturais, permanecem abissais; velhas pautas continuam em descaso – como o elevado número de violências contra eles: física, emocional, política, do Estado; e, ainda, surgem novas pautas, que vulnerabilizam essas crianças e adolescentes. Exemplo? Mais uma Orfandade – por Covid-19, com início há mais de cinco anos, colocando em risco número ainda desconhecido de crianças e adolescentes nessa condição. Falta-lhes representatividade legal; há maior precariedade de suas condições materiais, violação de seus direitos, com destaque trágico dos efeitos em seu universo socioemocional, familiar e comunitário. Por tudo isso, vimos construindo, a partir do Ceará, desde julho/2021, a Articulação em Apoio à Orfandade de Crianças e Adolescentes por Covid-19 (AOCA). Nossas incidências técnico-políticas que congregam pessoas e coletivos de diversos fazeres e inserções sócio-políticas, entre forças sociais democráticas, vêm resultando em iniciativas de ação-reflexão, busca de diálogo e formulação de propostas encaminhadas a instâncias dos três Poderes e nos três níveis, construção de documentos, cartas abertas, artigos para jornais, sítios eletrônicos e periódicos científicos, informação e formação humana. Se até agora ainda não logramos sentir crianças e adolescentes em Orfandade com seus direitos devidamente respeitados, comprometimento e perseverança vêm nos impulsionando sempre. Cinco anos não são cinco dias. Por buen vivir e dignidade para todas as crianças e adolescentes.
Professora da UFC; integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (NUCEPEC/UFC) e Articulação em Apoio à Orfandade de Crianças e Adolescentes por Covid-19 (AOCA).
Contatos: @a3pinheironucepec ou Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
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